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O direito de discordar e a cumplicidade intercontinental


A grande polêmica do último fim de semana foi a exposição chamada "Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", promovida pelo Santander Cultural. Partirei do pressuposto que você, leitor, já está inteirado sobre o ocorrido. Caso não esteja clique aqui. 


O barulho das redes sociais foi ensurdecedor. Vários grupos se manifestaram de forma bastante incisiva com relação ao ocorrido. Uns de forma positiva outros de forma negativa. Isso é do jogo democrático. A liberdade de expressão é um dos pilares de qualquer democracia, como escreve o decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello: 
a liberdade de expressão é condição inerente e indispensável à caracterização e preservação das sociedades livres e organizadas sob a égide dos princípios estruturadores do regime democrático [1]
Por uma ironia, é essa mesma liberdade que está no centro do embate. Temos aqueles que defendem o direito que os artistas têm de expressarem sua arte; temos os que defendem que uma exposição dessa natureza não poderia sequer vir a público e temos aqueles que, como eu, defendem que a exposição tem todo direito de existir, desde que não seja criminosa, bem como as pessoas têm todo direito de se revoltarem e, até mesmo boicotarem o evento. O problema não está aí. Está na incoerência de muitos. Vejamos:

Ao tomar conhecimento do caso me lembrei imediatamente do ocorrido em 2015 na França, quando um grupo de terroristas invadiu o escritório do jornal satírico Charlie Hebdo e matou vários profissionais. Na época, me posicionei a favor da revista. Não porque concordava com seu conteúdo, mas porque acho que quando uma liberdade constitucional é desrespeitada a questão deve ser resolvida nos tribunais e não "na ponta do fuzil" como gostam de gritar os defensores do terror.

Mas é interessante notar que, naquela época, muitos (a maioria de esquerda) se posicionaram contra a publicação francesa e a favor do terror. Afirmavam que a revista passou de todos os limites e que a atitude dos terroristas era compreensível, ainda que injustificável. Porém esses mesmos se põem agora favoráveis à exposição sob o argumento de que a arte não deve ser contida. Ora, quer dizer então que só é arte se for contra os cristãos? Isso me faz concluir que estes não estão nem aí para o que é arte ou não. O problema deles são os cristãos. Até que se prove o contrário, há uma guerra velada contra nós em curso. O que me alegra pois Cristo já nos disse que seria assim. Mas minha alegria não me anestesia. Continuarei lutando contra o espírito deste século.

A despeito dos já mencionados, mantenho minha coerência. Fui a favor da revista e sou a favor de que exponham o que quiserem. E, em 2015, defendi que se alguém tinha algo contra a revista que seguisse o caminho legal, assim como defendo hoje que se alguém tem algo contra a exposição que se manifeste com os instrumentos que a lei nos dá: processo, manifestações nas redes sociais, boicote ao banco e etc. É assim que as divergências são sanadas numa sociedade livre e que respeita as suas instituições.

A arte tem como uma de suas principais funções a transgressão da realidade. Sendo ela uma fuga da realidade, por vezes transmite sensações que causam incômodo a um determinado grupo. É normal. O problema é quando a ofensa ultrapassa a fronteira entre a transgressão e o crime. E foi isso que ocorreu em Porto Alegre, a exposição claramente afrontou o disposto no artigo 208 do Código Penal:
" Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:"
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.


Está claro que foi cometido um crime contra o sentimento religioso aqui. E com o crime não dá pra condescender. Seja aqui ou na França. Há porém uma ala ideológica que, independente do lugar, sempre fica ao lado dos criminosos. É o que chamo de cumplicidade intercontinental.

Outros adotaram o boicote, uma ferramenta legítima, mesmo no liberalismo, de protesto que fez com que o banco perdesse milhares de clientes em algumas horas. Resultado: a exposição foi encerrada porque quem manda é o dinheiro.

Deixo aqui algumas perguntas:

1) O que Karl Marx diria ao ver seus seguidores de joelhos para uma instituição bancária?
2) Por que um banco que se anuncia como o melhor do mundo precisou captar dinheiro do governo (800 mil da Lei Rouanet, segundo o Estadão) para realizar uma exposição de gosto, no mínimo, duvidoso?

Encerro afirmando que sou correntista do Santander e não deixarei o banco pelo simples fato de que não vi, até agora, nenhum outro banco me oferecendo benefícios semelhantes aos que ele me dá. Fosse eu banqueiro, já estaria fazendo uma campanha massiva na internet oferecendo benefícios mil a quem se sentiu ofendido e quer migrar sua conta para outro lugar. Mas estamos no Brasil, não dá pra esperar isso numa terra que proíbe comerciais de brinquedos.

Minha forma de protesto é este texto.

Nem vou entrar no mérito (ainda) de questões de grande importância como o conteúdo das imagens ou a infame teologia queer (que está pro trás de tudo isso e vem sendo totalmente ignorada pela maioria de nossos teólogos sérios).

Só espero que a justiça seja feita e que cada vez mais os caminhos legais sejam adotados como forma de resolver conflitos. Se for boicote, que seja. Se for pela via judicial, que seja. Só não podemos achar que a violência vencerá a batalha. Deixemos isso para os cúmplices do terror -- seja ele físico, psicológico, ideológico ou religioso -- lutemos com as armas da democracia. Dessa vez ela venceu de novo.

O banco fechou a exposição? Azar o dele! Que tenham mais critério na próxima.

Viva a liberdade daqueles que se posicionaram contra!

Viva a liberdade de discordar!



[1] STF – 1ª T. – Ag. Reg no AI 675276/RJ – Rel. Min. Celso de Mello. 
O direito de discordar e a cumplicidade intercontinental O direito de discordar e a cumplicidade intercontinental Reviewed by Alcino Júnior on segunda-feira, setembro 11, 2017 Rating: 5

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